Fotos: Arquivo
O desembargador Almiro Padilha, supervisor do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF), o juiz coordenador do GMF, Cícero Renato Pereira de Albuquerque e o Juiz Titular da Vara de Execução Penal, Daniel Damasceno Amorim Douglas, e o assessor juridico do GMF, Jadson Costa, do Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR), participaram do X ENEP e o I Encontro Internacional de Execução Penal, realizado pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA).
O encontro proporcionou um diálogo vigoroso e científico de extrema importância para a reflexão da atual situação da Execução Penal, sob a perspectiva dos 35 anos da Constituição Federal.
Após os debates, foi elaborada “A Carta de Salvador” com novas perspectivas, desafios e estratégias diante da Execução Penal. A leitura da Carta de Salvador marcou o encerramento do evento.
Confira o texto na íntegra a seguir:
Os membros do Instituto Brasileiro de Execução Penal (IBEP), reunidos em Salvador, Bahia, no X Encontro Nacional de Execução Penal e I Encontro Internacional de Execução Penal, promovidos pelo IBEP e pelo Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, em parceria com a Secretaria de Justiça e Cidadania, no período de 3 e 4 de agosto de 2023, manifestam e propõem o que segue:
Modelos de Controle da Execução Penal
Tendo em vista o controle insuficiente da execução penal, a despeito da atuação dos órgãos previstos no art. 61 da LEP, entende-se necessária uma profunda reflexão sobre quais mecanismos e modelos poderiam otimizar uma adequada fiscalização da execução penal para que os princípios constitucionais, bem como as regras penais e processuais pertinentes não continuem a ser tão descuradas neste âmbito;
Execução Penal, Segurança Pública e Direitos Humanos
Uma execução penal indevida, que escapa do controle da administração penitenciária, torna ineficaz/inviável a proposta de reinserção social de pessoas privadas de liberdade, bem como propicia a gestão dos cárceres por facções criminosas que acabam por colocar em risco a própria segurança dos reclusos e, por via de consequência, dos cidadãos em geral, isto porque o florescimento das facções extravasa os limites da clausura, solapando a ordem pública com ações delituosas e disputas violentas extramuros. O próprio monopólio do uso da força pelo Estado se esboroa pela tácita concessão às facções da gerência oficiosa de muitos estabelecimentos penais. Nesta linha de raciocínio, reconhece-se como relevante o papel do sistema penitenciário federal na medida em que, acolhendo presos de elevada periculosidade, oriundos de diferentes unidades federativas, contribui para refrear a criminalidade organizada, não obstante se deva reconhecer a imperiosidade de aprimoramentos.
Medidas de segurança
Cabe ao Poder Judiciário aplicar a Lei Antimanicomial (Lei 10.216/01) e a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/15), a fim de que as revogadas disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal sejam afastadas. A medida de segurança deve ser compreendida sob o prisma do direito à saúde, afastando-se da exclusiva lógica criminal. Nesse sentido é fundamental que a Resolução CNJ 487/2023 venha a ser cumprida em todos as jurisdições, nos prazos por ela estabelecidos;
Estratégias de Redução da População Carcerária
Há de se fomentar as iniciativas normativas que institucionalizem as penas restritivas de direito e medidas congêneres no Brasil, e os serviços correlatos às alternativas penais, com o aumento da oferta, no cárcere, de trabalho, educação, leitura e esporte que oportunizem a remição da pena privativa de liberdade em suas diversas modalidades. Tais medidas, além de respeitadoras dos direitos humanos dos presos, podem concorrer para a redução da população carcerária. Sem prejuízo disso, as estratégias que intentem superar a saturação prisional precisam ser adotadas com urgência, como a retomada dos decretos de indulto que abranjam penas restritivas de direito, multa e medida de segurança, considerando-se que o instituto do Indulto é uma expressão da tripartição de poderes. De parte a parte, também se faz mister a ampliação dos serviços da Defensoria Pública, ou sua criação nas comarcas do interior do Brasil onde ainda inexistem. Por fim, incentivos à eliminação do déficit de vagas nos presídios brasileiros convém sejam discutidos por toda a sociedade, de modo particular com os estudiosos e experts em execução penal.
As novas perspectivas da execução penal do Brasil devem decorrer de um complexo de medidas que incluam, a partir do reconhecimento de um “estado de coisas inconstitucional”: apoio à ideia de central de vagas carcerárias, com fundamento no princípio dos numerus clausus, para que ditas vagas oferecidas pelo Estado sejam respeitadas em sua integralidade; rediscussão do ônus probatório em sede de execução penal, com inversão em favor da pessoa presa diante de atos atentatórios à dignidade humana; suporte à difusão de medidas judiciais de compensação penal por prisões ilegais ou abusivas; concessão antecipada de livramento condicional ou regime aberto, quando for o caso; antecipação da liberdade com o emprego de monitoração eletrônica, sem prejuízo de maior investimento em outras alternativas penais com alocação de verbas do Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN).
Neste contexto, eventuais conversões de penas privativas de liberdade por restritivas de direitos, previstas no artigo 180 da LEP, estão a demandar uma modificação legislativa que agasalhe o alargamento dessa possibilidade. De mais a mais, sempre deverá ser observada, durante o cumprimento das penas privativas de liberdade, a melhoria das condições de encarceramento e sua humanização.