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A COMPETÊNCIA JURISDICIONAL EM MATÉRIA DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E A APLICAÇÃO DA LEI N.º 14.550/2023

Uma abordagem dos Juizados Especializados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (JVDs) da Comarca de Boa Vista-RR, atuantes na Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima (CEVID/TJRR) [1].

 

Sumário: 1. Contextualização. 2. Inovações da Lei 14.550/2023. 3. Competência dos JVDs. 4. Considerações Finais. 5. Referências.

 

1. Contextualização do tema e atribuição da Coordenadoria de Violência Doméstica do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima.

A Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (CEVID) é órgão permanente de assessoria do Tribunal de Justiça destinado a contribuir para o aprimoramento da estrutura e das políticas do Poder Judiciário na área do combate e da prevenção à violência contra as mulheres no Estado.

Como suporte normativo, esta breve abordagem se utiliza do art. 2° da Resolução n.° 29/2012-Tribunal Pleno que cria a CEVID/TJRR, em que, dentre as principais competências ali delineadas, consta a atribuição de contribuir para o aprimoramento da estrutura do Judiciário como um todo, buscando a otimização da prestação jurisdicional (inciso II).

Para isso, podem ser realizados pela Coordenadoria trabalhos que subsidiem a atuação jurisdicional, tornando-a coerente com as políticas nacionais e internacionais de proteção integral a mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

Desse modo, a abordagem em tela busca se alinhar aos princípios da economia processual, efetividade no acesso à justiça e redução dos custos para situações em demandas judiciais que, potencialmente, poderão se repetir, principalmente quando consideradas as possibilidades de interpretações divergentes e/ou controversas.

Com alicerce na experiência jurisdicional de magistrados coordenadores da CEVID/TJRR atuantes na matéria, pretende-se com o presente trabalho, primacialmente, fornecer apoio aos magistrados, servidores, e às equipes multidisciplinares para a melhoria da prestação jurisdicional em matéria de violência doméstica e familiar contra a mulher, não havendo, de outra feita, qualquer condão de ferir ou afetar o sistema do livre convencimento motivado.

 

2. Inovações trazidas pela Lei n.º 14.550/2023

A Lei 14.550/2023 trouxe importantes inovações na seara do sistema protetivo da mulher ao prever:

Art. 1º O art. 19 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 4º, 5º e 6º:

“Art. 19............................................................................................

§ 4º As medidas protetivas de urgência serão concedidas em juízo de cognição sumária a partir do depoimento da ofendida perante a autoridade policial ou da apresentação de suas alegações escritas e poderão ser indeferidas no caso de avaliação pela autoridade de inexistência de risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes.

§ 5º As medidas protetivas de urgência serão concedidas independentemente da tipificação penal da violência, do ajuizamento de ação penal ou cível, da existência de inquérito policial ou do registro de boletim de ocorrência.

§ 6º As medidas protetivas de urgência vigorarão enquanto persistir risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes.” (NR)

Art. 2º A Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), passa a vigorar acrescida do seguinte art. 40-A:

Art. 40-A. Esta Lei será aplicada a todas as situações previstas no seu art. 5º, independentemente da causa ou da motivação dos atos de violência e da condição do ofensor ou da ofendida.”

 

No que concerne às inovações trazidas no art. 19 pelos parágrafos 4º, 5º e 6º acima reproduzidos, observa-se que sempre foi a praxe dos magistrados e magistradas do Tribunal de Justiça o espírito da proteção integral da mulher em situação de violência doméstica e familiar.

Acerca do novo §4º do art. 19, sempre prevaleceu no âmbito do TJRR que a palavra da vítima tem especial relevância na seara dos fatos envolvendo violência doméstica, sendo desnecessário que o pedido esteja instruído com provas cabais da violência para que seja este analisado.

Relativamente ao §5º do mesmo artigo, vale consignar que mesmo quando a ofendida manifesta seu desinteresse na persecução penal de crimes de ação penal pública condicionada à representação, isto não é óbice à proteção por meio de medidas protetivas, já tendo o TJRR entendimento firmado de que as medidas são autônomas em relação à eventual ação penal mesmo antes da edição da Lei 14.550/2023. Isso se dá por conta do entendimento de que as medidas protetivas da Lei Maria da Penha servem-se a acautelar pessoas, ou seja, não é necessário que se configure, por exemplo, um real dano emocional nos termos do art. 147-B do Código Penal para que o Estado atue por meio de medidas cautelares, sempre visando que, por meio das medidas protetivas, não haja uma escalada de violência, com ofensa real ao bem jurídico tutelado.

No que tange ao §6º do art. 19, os juizados de violência doméstica de Roraima sempre trabalharam tendo em mente que a medida protetiva não pode se eternizar, mas também não se vincula a um período determinado, sendo nessa linha também o entendimento do Superior Tribunal de Justiça ao estabelecer que a medida protetiva não pode ser revogada sem a prévia oitiva da parte ofendida, senão vejamos:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 4º 7º E 22, TODOS DA LEI N. 11.340/2006. TRIBUNAL DE ORIGEM QUE, DIANTE DA NÃO PROPOSITURA DA AÇÃO PENAL E EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE DO AGENTE, HOUVE POR NÃO CONCEDER MEDIDAS PROTETIVAS. NECESSIDADE DE OITIVA DA VÍTIMA ACERCA DA PRESERVAÇÃO DA SITUAÇÃO FÁTICA DE PERIGO QUE POSSA JUSTIFICAR A PERMANÊNCIA DAS CAUTELARES. VALORAÇÃO DO DIREITO À SEGURANÇA E PROTEÇÃO DA VÍTIMA QUE SE IMPÕE. 1. Não se desconhece a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, extinta a punibilidade, não subsistem mais os fatores para a manutenção/concessão de medidas protetivas, sob pena de eternização da restrição de direitos individuais. 2. As duas Turmas de Direito Penal deste Superior Tribunal de Justiça vem decidindo que, embora a lei penal/processual não prevê um prazo de duração da medida protetiva, tal fato não permite a eternização da restrição a direitos individuais, devendo a questão ser examinada a luz dos princípios da proporcionalidade e da adequação. [...] Na espécie, as medidas protetivas foram fixadas no ano de 2017 (proibição de aproximação e contato com a vítima). O recorrente foi processado, condenado e cumpriu integralmente a pena, inexistindo notícia de outro ato que justificasse a manutenção das medidas. Sendo assim, as medidas protetivas devem ser extintas, evitando-se a eternização de restrição a direitos individuais (RHC n. 120.880/DF, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 28/9/2020). 3. Se não há prazo legal para a propositura de ação, normalmente criminal, pela competência ordinária para o processo da violência doméstica, tampouco se pode admitir eterna restrição de direitos por medida temporária e de urgência. [...] Dado o lapso temporal transcorrido entre o deferimento das medidas protetivas no ano de 2016 até o presente momento, havendo, inclusive, o reconhecimento da extinção da punibilidade do agente, em relação aos fatos descritos no boletim de ocorrência, deve ser mantida a decisão recorrida que revogou medidas protetivas, indevidamente eternizadas pela não propositura da ação de conhecimento, sendo despiciendo o retorno dos autos para avaliação da manutenção da medida protetiva (AgRg no REsp n. 1.769.759/SP, Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe de 14/5/2019). 4. Nos termos do Parecer Jurídico emanado pelo Consórcio Lei Maria da Penha, a revogação de medidas protetivas de urgência exige a prévia oitiva da vítima para avaliação da cessação efetiva da situação de risco à sua integridade física, moral, psicológica, sexual e patrimonial. Tanto mais que assinala o Protocolo para o Julgamento com Perspectiva de Gênero, "as peculiares características das dinâmicas violentas, que, em regra, ocorrem no seio do lar ou na clandestinidade, determinam a concessão de especial valor à palavra da vítima" (CNJ, 2021, p. 85). [...], enquanto existir risco ao direito da mulher de viver sem violência, as restrições à liberdade de locomoção do apontado agente são justificadas e legítimas. O direito de alguém de não sofrer violência não é menos valioso do que o direito de alguém de ter liberdade de contato ou aproximação. Na ponderação dos valores não pode ser aniquilado o direito à segurança e à proteção da vítima (fls. 337/338). 5. Antes do encerramento da cautelar protetiva, a defesa deve ser ouvida, notadamente para que a situação fática seja devidamente apresentada ao Juízo competente, que diante da relevância da palavra da vítima, verifique a necessidade de prorrogação/concessão das medidas, independente da extinção de punibilidade do autor. 6. Agravo regimental provido para que a agravante seja ouvida acerca da necessidade das medidas protetivas de urgência à mulher em situação de violência e, caso constatada a permanência da situação de perigo, seja a referida medida concedida ou mantida. (AgRg no REsp n. 1.775.341/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, julgado em 12/4/2023, DJe de 14/4/2023.)

A questão mais polêmica da Lei nº 14.550/2023, foi a introdução do art. 40-A, que prevê a aplicação da lei independentemente da causa ou a motivação dos atos de violência e a condição do ofensor ou da ofendida.

Sobre esta modificação, vislumbra-se uma possível ampliação do âmbito de aplicação das medidas protetivas de urgência às vítimas mulheres, antes adstrito ao contexto de violência com motivação nas questões de gênero.

Nesse sentido, não se pode olvidar a disposição do caput do art. 5º da Lei 11.340/2006, que estabelece: “Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.

Nesse sentido, destaque-se que a Lei Maria da Penha foi construída sob a égide de uma política de ação afirmativa, isto é, uma ação direcionada só às mulheres, diante do reconhecimento da necessidade de proteção especial e/ou diferenciada a elas, como forma de superar a histórica inferiorização que sofrem no âmbito das relações íntimas afetivas, domésticas e familiares, tendo sua constitucionalidade declarada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADC 19, que sedimentou o entendimento de que a discriminação de gênero é justificativa plausível para a diferenciação de tratamento entre homens e mulheres.

Por ocasião do julgamento da referida ação, restou explicitado pelo Min. Marco Aurélio, relator, que a necessidade dessa proteção diferenciada (à mulher) se dá com o fito de corrigir estereótipos de gênero, pois quando um homem é vítima de violência doméstica isso não se dá por conta de fatores culturais e sociais (ADC – 19 p. 14/15), como sói ocorrer com a mulher. Esse entendimento resultou acompanhado pelos demais ministros da Corte.

Dos ministros consonantes ao entendimento, destacou a Min. Rosa Weber que a sociedade brasileira é marcada pelo desequilíbrio de poder nas relações de gênero, o que reclama a adoção de políticas afirmativas. Enfatizou que não é qualquer diferença, conquanto real e logicamente explicável, que possui suficiência para discriminações legaise que é a violência, baseada na discriminação de gênero, que rebaixa as mulheres na sociedade, o que merece atenção diferenciada (ADC – 19, p. 25).

Portanto, é a cultura de subjugação da mulher que justifica a adoção de mecanismos de equiparação entre sexos, pois, todo discrímen positivo deve se basear em parâmetros razoáveis, que evitem o desvio de propósitos legítimos para opressões inconstitucionais, desbordando do estritamente necessário para a promoção da igualdade de fato.” (Min. Luiz Fux - ADC – 19, p. 25).

Destaca-se que o art. 1º da Lei 11.340/2006 explicitou os motivos para a elaboração da lei: coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da Constituição Federal e Convenções Internacionais, citando expressamente a Convenção de Belém do Pará que, em seu art. 1º, assinalou que “Para os efeitos desta convenção, entender-se-á por violência contra a mulher qualquer ato ou conduta BASEADA NO GÊNERO, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada.

A referida Convenção, no art. 8º, alínea “a”, ratifica que a proteção especial à mulher se dá sob a ótica da violência de gênero, ao prever que os Estados devem adotar medidas e programas para modificar os padrões sociais e culturais de conduta, a fim de combater preconceitos, costumes e práticas baseadas na premissa da inferioridade ou superioridade de qualquer dos gêneros ou nos papéis estereotipados para o homem e a mulher.

A Declaração de Pequim (1995), subscrita pelo Estado Brasileiro, no seu item 113, também consagra o necessário combate à violência sob o viés de gênero, prevendo que:

113. A expressão “violência contra a mulher” se refere a quaisquer atos de violência, inclusive ameaças, coerção ou outra privação arbitrária de liberdade, que tenham por base o gênero e que resultem ou possam resultar em dano ou sofrimento de natureza física, sexual ou psicológica, e que se produzam na vida pública ou privada. (Destacado).

Na esteira do julgamento do Supremo Tribunal Federal e das lições extraídas das Convenções Internacionais das quais o Brasil é signatário, o que vem sendo entendido pela Magistratura Roraimense é que a Lei Maria da Penha constitui política de ação afirmativa que dá tratamento legal à violência contra a mulher SOB A PERSPECTIVA DE GÊNERO, devendo a aplicabilidade da Lei se relacionar a essa perspectiva evitando-se excessos interpretativos que impliquem vulgarizar a aplicação da Lei, sendo assim o Enunciado 18 da I Jornada da Magistratura Roraimense:

18 - A competência do Juizado da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher restringe-se aos delitos cometidos em razão de gênero, na forma dos arts. 5° e 7°, da Lei Maria da Penha, não sendo suficiente que a vítima seja do sexo feminino, que seja cometido no âmbito doméstico ou durante uma relação íntima de afeto.

Conforme ensina Medrado (2011) “para se enfrentar a violência doméstica e familiar contra a mulher faz-se necessário considerá-la efetivamente como uma violência de gênero, em sua dimensão relacional, com suas marcações políticas, históricas e culturais, e não uma violência de sexo” sendo essencial que todo o sistema de justiça entenda o fenômeno sob o enfoque de gênero, atentando-se para os estereótipos enraizados na sociedade, bem como na histórica inferiorização das mulheres na sociedade marcada pelo machismo estrutural.

 

3. Competência dos Juízos Especializados de Violência Doméstica

A competência das Varas e/ou Juízos de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher é prevista na Lei n.º 11.340/06 (Lei Maria da Penha), no Título IV, Capítulo I, que também estabelece a necessidade de existirem Juizados especializados, com competência cível e criminal para o julgamento e execução de causas relacionadas.

A definição de competência da Lei Maria da Penha é propositadamente ampla, visto que situações de violência doméstica e familiar e/ou domiciliar contra a mulher podem ocorrer das mais diversas formas, envolvendo configurações fáticas inimagináveis. Por esta razão, o art. 13, da Lei Maria da Penha, dispõe que:

Art. 13. Ao processo, ao julgamento e à execução das causas cíveis e criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher aplicar-se-ão as normas dos Códigos de Processo Penal e Processo Civil e da legislação específica relativa à criança, ao adolescente e ao idoso que não conflitarem com o estabelecido nesta Lei.

No Estado de Roraima, o Código de Organização Judiciária do Estado - COJERR (Lei Complementar n.° 221/2014) normatiza, em seu art. 34, que a Jurisdição será exercida por Juízes de Direito que exercerão suas atribuições conforme a Lei e o Regimento Interno do TJRR.

Em seu art. 35, o citado código cria as unidades jurisdicionais especializadas, exclusivas para o tratamento da matéria de violência contra mulheres, bem como, não exclusivas, com competências específicas, abarcando as causas de abusos e violências contra mulheres meninas, adolescentes e idosas, sistematizadas no inciso I, compreendendo: as Primeira e Segunda Varas da Infância e da Juventude (alínea “d”), bem como a Vara de Crimes contra a Dignidade Sexual, Crimes Praticados contra Criança e Adolescentes e Crimes praticados contra Idoso, previstos no Estatuto do Idoso, respectivamente, para tratamento de causas e crimes praticados contra crianças e adolescentes, previstos na Lei n.º 8.069/1990 (ECA), e, os Primeiro e Segundo Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (alínea “i”), para o processamento (exclusivo) das causas (cíveis e criminais) decorrentes de violência contra mulheres, a teor da Lei n.º 11.340/2006 (Lei Maria da Penha-LMP).

A composição dessas unidades jurisdicionais está albergada no Regimento Interno do Tribunal - RITJRR (Resolução n.º 030/2016), no art. 37, com as seguintes nomenclaturas: Vara de Crimes contra Vulneráveis-VCV (inciso VII); Primeira e Segunda Varas da Infância e da Juventude-VIJs (inciso XI); Primeiro e Segundo Juizados de Violência Doméstica-JVDs (inciso XIII).

A definição das competências, de forma específica e individualizada, consta do referido Regimento Interno/Resolução n.° 030/2016. Entretanto, os arts. 48 (que trata da competência das VIJs) e 50 (que aborda a competência dos JVDs) da Resolução, basicamente repetem, respectivamente, o texto do art. 148, do ECA, e do art. 13, da LMP.  Já o art. 44 (que trata da competência da VCV) remete aos crimes previstos no ECA.

A criação de órgãos especializados da Justiça, responsáveis pelo processamento, julgamento e execução das causas envolvendo violência doméstica contra as mulheres em estado de risco ou vulnerabilidade, são inovações das mais importantes do ordenamento jurídico brasileiro.

As peculiaridades inerentes à competência híbrida (civil e criminal) desses Juízos Especializados servem ao fim de melhor atender o público-alvo, garantindo uma atuação mais célere e eficiente, de forma integrada com as respectivas redes de proteção, sendo esse formato de atuação imprescindível para o diferencial de casos potencialmente suscetíveis de culminação em gravíssimas violações e até em morte de muitas mulheres e/ou de dependentes no lar.

Essa velocidade de intervenção judicial para a concessão de medidas protetivas de urgência é indispensável para uma rápida interrupção de situações de violência. De praxe, prosseguem-se variadas providências pelos diversos setores e atores envolvidos, imbuídos na prestação jurisdicional e na assistência à vítima, familiares e dependentes, e no atendimento ao agressor, seguindo-se às recomendações específicas[2] de atendimentos com a perspectiva de gênero.

Somando-se a tudo isso, muitos dos casos ainda têm desdobramentos outros, envolvendo reavaliações de contextos se visando revisões e adequações das medidas protetivas concedidas e/ou concessões de medidas cautelares incidentais, mais gravosas, o que faz reiniciar o ciclo de atos e procedimentos que, dada a natureza da urgência, exigem a máxima rapidez possível para se evitar desfechos trágicos.

A especialização das varas garante que os procedimentos específicos sejam realizados com maior atenção, em espaços físicos mais adequados e com o atendimento por equipes multidisciplinares, que realizarão atendimentos de caráter psicossocial especializado.

Em vista disso, é imperioso dedicar atenção ao alcance interpretativo da lei para garantir a celeridade na resposta às vítimas, não só na concessão das medidas, mas, também, nas demais providências assecuratórias de proteção a elas. A motivação de gênero, a estrutura social desigual no trato do direito das mulheres é que deve ter atenção especial, sem prejuízo de medidas próprias serem tomadas por outros juízos, com esteio no poder geral de cautela.

A condição de mulher em situação de violência doméstica e familiar reclama atuação célere, atenta e sensível do Poder Judiciário para que a vítima possa ter assegurados direitos de naturezas diversas. É certo que o Judiciário não se exime de dar proteção a toda lesão ou ameaça de lesão a direitos, mas não são todas as situações em que uma mulher está envolvida que merecem o olhar diferenciado, mas aquelas que guardam correlação com a inferiorização da mulher no seio doméstico e familiar. Demais questões devem e são solucionadas pela Justiça, porém, no âmbito de atribuição correlato, sempre com o olhar humanizado de que está revestido o Judiciário em sua missão.

Para melhor atender ao interesse do jurisdicionado, cada assunto demanda apreciação dentro da respectiva área, sem olvidar do tratamento sensível e humanizado aos envolvidos, característica institucional e não exclusiva dos Juizados de Violência Doméstica.

 

4. Considerações Finais

À luz dos fundamentos ora expostos, conclui-se que a Lei Maria da Penha constitui política de ação afirmativa que dá tratamento legal à violência contra a mulher SOB A PERSPECTIVA DE GÊNERO e apenas nesse sentido é que encontra validade no plano do princípio da igualdade.

Mesmo com o art. 40-A, deve-se dar interpretação conforme à Constituição Federal e Tratados Internacionais, com a aplicação da Lei Maria da Penha nos casos em que a violência tenha o enfoque de gênero, evitando-se, assim, excessos interpretativos que impliquem vulgarizar a aplicação da Lei e sobrecarregar os Juizados de demandas não específicas, em prejuízo da proteção real de quem as necessita.

Ainda com o objetivo de assegurar interpretação restrita ao dispositivo legal, deve-se atentar para um desvirtuamento do espírito de proteção da mulher, ocasionando uma indevida migração de processos comuns aos Juizados de Violência Doméstica, que necessitam de agilidade para deferir medidas e outras providências para prevenir os feminicídios.

5. Referências

BRASIL. Lei n.º 11.340, de 07 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. DOU de 8.8.2006.

________. Lei Federal nº 14.550, de 19 de abril de 2023. Altera a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), para dispor sobre as medidas protetivas de urgência e estabelecer que a causa ou a motivação dos atos de violência e a condição do ofensor ou da ofendida não excluem a aplicação da Lei. DOU de 20.4.2023, pág. nº 1.

RORAIMA. Tribunal de Justiça. Novo Código de Organização Judiciária do Estado de Roraima. Lei Complementar n.º 221, de 09 de janeiro de 2014. DOE, edição 26, 10.1.2014, p. 10. Disponível em: https://www.tjrr.jus.br/legislacao/index.php/leis-complementares/120-leis-complementares-2014/1172-lei-complementar-n-221-de-09-de-janeiro-de-2014.

________. Tribunal de Justiça. Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima. Resolução n.º 30, de 22 de junho de 2016. DJe/TJRR n.º 5841, 14.10.2016, PP. 2-57; 2.ª republicação. Disponível em: https://www.tjrr.jus.br/index.php/regimento-interno.

Conselho Nacional de Justiça (Brasil). Protocolo para julgamento com perspectiva de gênero [recurso eletrônico] / Conselho Nacional de Justiça. — Brasília: Conselho Nacional de Justiça – CNJ; Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados — Enfam, 2021. Dados eletrônicos (1 arquivo: PDF 132 páginas).18 de out. de 2021.

BIANCHINI, Alice, ÁVILA, Thiago Pierobom de. Lei n. 14.550/2023: Uma interpretação autêntica quanto ao dever estatal de proteção às mulheres. Disponível em https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2023/04/20/lei-n-14-450-2023-uma-intepretacao-autentica-quanto-ao-dever-estatal-de-protecao-as-mulheres/, acesso em 24.07.2023.

Medrado B, Lemos AR, Brasilino J. Violência de gênero: paradoxos na atenção a homens. Psicol Estud [Internet]. 2011Jul; 16(3):471–8. Disponível em: < https://www.scielo.br/j/pe/a/XqmhQHMbNbhwfTy8xqbH75H/?lang=pt#ModalHowcite>. Acesso em 18.06.2023.


[1] Suelen Márcia Silva Alves, Juíza de Direito Titular do 1.º JVD e Coordenadora da CEVID/TJRR, desde FEV2021; Jaime Plá Pujades de Ávila – Juiz de Direito Titular do 2.º JVD, Coordenador da CEVID/TJRR de OUT2019 a FEV2021 e atual Coordenador do Núcleo de Plantão e Audiência de Custódia do TJ Roraima – NUPAC/TJRR.  (voltar)

[2] Resolução 254/2018-CNJ - Institui a Política Judiciária Nacional de enfrentamento à violência contra as Mulheres pelo Poder Judiciário e dá outras providências.(voltar)

Recomendação 116/2021-CNJ - Dispõe sobre a necessidade de os juízes e as juízas, que detenham competência na área da violência doméstica, familiar e de gênero, procederem ao imediato encaminhamento das decisões de deferimento das medidas protetivas de urgência aos órgãos de apoio do Município (Creas e órgão gestor);

Recomendação 124/2022-CNJ - Recomenda aos tribunais que instituam e mantenham programas voltados à reflexão e responsabilização de agressores de violência doméstica e familiar.

 

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